Você sabia que o primeiro ginecologista trabalhou há mais de 4 mil anos? Descubra um breve histórico da profissão e conheça o panorama no Brasil moderno.
Comemora-se em 30 de outubro o Dia da(o) Ginecologista, uma das áreas de especialização médica mais relevantes e impactantes para a saúde pública. A data foi escolhida por ser o dia da fundação da Febrasgo, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, e é comemorada há mais de 60 anos.
A ginecologia possui uma altíssima relevância no Brasil. De acordo com o relatório ‘Demografia Médica no Brasil’ de 2020 [1], produzido pelo Conselho Federal de Medicina e a Faculdade de Medicina da USP, no Brasil há 500 mil médicos, e cerca de 7% deles são especialistas em Ginecologia e Obstetrícia. A área de especialização é a 4ª com mais profissionais, atrás apenas de Clínica Médica, Pediatria e Cirurgia Geral.
O Brasil é um dos países com maior porcentagem de médicos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia no mundo. Apenas Estônia e México possuem porcentagens maiores desses especialistas dentre seus profissionais de saúde. O Brasil está à frente, inclusive, de países como Reino Unido, Estados Unidos, Israel e Alemanha.
O termo ‘ginecologia’ refere-se ao conhecimento sobre o aparelho reprodutivo feminino, sua saúde e as doenças e ele relacionadas. Está próximo à ‘obstetrícia‘, que é a especialidade mais focada no parto e nas atividades relacionadas a este evento.
No Egito Antigo já havia ginecologista?
O ‘documento médico’ mais antigo que se conhece vem do Egito, tem mais de 4 mil anos, e é justamente sobre…ginecologia!
O chamado ‘Papiro Ginecológico de Kahun‘ [2] é datado de 1800 a.C. e foi traduzido em 1806. Trata-se de um documento de 03 páginas, de 33cm de largura e 1m de comprimento, dividido em 34 seções, cada uma delas descrevendo um problema específico da saúde feminina, propondo diagnóstico e tratamentos para eles.
O texto parece indicar que, à época, ‘enfermidades uterinas’ eram vistas com seriedade, já que poderiam ser a causa de outros problemas de saúde, que se manifestavam em pontos diferentes do corpo.
Nenhum dos tratamentos propostos é cirúrgico; todos envolvem a aplicação ou ingestão de ‘medicamentos’, normalmente misturas de plantas e ervas populares na cultura egípcia. Por exemplo, um dos tratamentos propostos no papiro é “fumegar a paciente com incenso e óleo fresco, fumegar seu útero com isso, e fumegar seus olhos com gordura da perna de ganso” a fim de aliviar sintomas. O papiro ainda traz dicas para determinar a ‘fertilidade’ de uma mulher pelo hálito e até mesmo como descobrir uma gravidez ou o sexo do bebê utilizando plantas.
Apesar das técnicas obviamente ancestrais e nada científicas, é interessante notar que desde muito cedo o interesse no cuidado e na compreensão do que se passava especificamente com a saúde feminina estava presente dentre os curandeiros da época.
Os antigos egípcios não foram os únicos a estudar a saúde feminina – há relatos de ‘tratamentos médicos’ específicos para as mulheres nas culturas ameríndias, por exemplo. Todavia, a história indica que métodos rudimentares perduraram por muitos séculos, até períodos relativamente recentes. Ainda havia muitas questões de tabu, gênero e sociais envolvidas no acompanhamento da saúde da mulher.
A ginecologia mudou radicalmente em tempos recentes
Felizmente, o cenário começou a mudar no século XIX, em que diversas revoluções médicas ocorreram. A descobertas de métodos antissépticos e anestésicos permitiu que tratamentos de doenças dos órgãos internos pudessem ser realizados com mais segurança e menos sofrimento para os pacientes, o que teve um papel decisivo na evolução dos estudos sobre a saúde feminina.
Os Estados Unidos – e, em especial, a Universidade da Pensilvânia – são considerados o ‘berço’ da ginecologia, já que diversos procedimentos pioneiros foram realizados ali. Por exemplo, em 1809, o médico Ephraim MacDowell realizou a primeira extração de ovários; em 1849, J. Marion Sims inaugurou a cirurgia de fístula vesicovaginal, um procedimento importantíssimo e que é muito realizado até os dias atuais.
O século XX viu uma evolução rápida no conhecimento sobre ginecologia e obstetrícia. Em 1940, o médico Geórgios Papanicolau inventou o famoso exame que leva até hoje seu sobrenome, importantíssimo para a prevenção do câncer de colo de útero (um dos tumores mais frequentes e perigosos em mulheres). Menos de 40 anos depois, nascia a primeira ‘bebê de proveta’ da história, a britânica Louise Brown – isto é, ela foi a primeira bebê resultante de procedimento de fertilização in vitro, técnica que permite contornar problemas de fertilidade e revolucionou as possibilidades de gestação.
Atualmente, a saúde feminina é uma das áreas mais estudadas e relevantes para a Medicina – afinal, há muito o que se aprender ainda. Nas últimas décadas, houve um esforço de inclusão de mulheres em estudos e testes clínicos – até poucas décadas atrás, era normal excluir mulheres de testes com medicamentos e vacinas, por exemplo, por medo de potenciais efeitos na fertilidade ou na gravidez [3]. A intenção era boa, porém trouxe falhas sobre o conhecimento da saúde feminina. Felizmente, isso tem mudado rapidamente. Os principais hospitais e centros de pesquisa do mundo, assim como as maiores Universidades, possuem departamentos especializados no tema, com profissionais que trabalham não apenas para garantir a saúde das pacientes, como também estudar os problemas mais frequentes e buscar soluções que aumentem a qualidade de vida.
Ginecologistas no Brasil de hoje
O impacto direto e indireto da ginecologia na saúde pública brasileira é imenso.
Diversas pesquisas indicam que a grande maioria das mulheres dá enorme valor para a ginecologia e a obstetrícia. Ainda assim, existe um número alto de mulheres que ainda não procuram estes serviços médicos com a devida frequência.
Pesquisa realizada em 2019 pela Febrasgo, em parceria com o Datafolha, mostrou um quadro preocupante no país. Apesar da quantidade alta de especialistas em ginecologia, ao menos 5,6 milhões de brasileiras não costumam ir ao ginecologista-obstetra, 4 milhões nunca procuraram atendimento com esse profissional e outras 16,2 milhões não passam por consulta há mais de um ano [4].
“68% das mulheres acreditam que a ginecologia é a especialidade médica mais importante para a saúde da mulher”
Isso é relevante porque, para boa parte das mulheres, a ginecologista é a principal (e, muitas vezes, única) referência médica, a profissional que é mais constantemente buscada. Na pesquisa, 68% das mulheres disseram que a ginecologia é a especialidade médica mais importante para a saúde da mulher.
Em entrevista à Agência Brasil [4], o presidente da Febrasgo, César Eduardo Fernandes, explica:
“Sete em cada dez mulheres têm o ginecologista como seu médico de atenção para cuidar da especialidade e para cuidar da saúde de um modo geral. Não é diferente em outros países. É como se a ginecologia fosse a porta de entrada da mulher para a assistência básica de saúde. É muito comum a mulher que tem problemas que não são propriamente ginecológicos marcar consulta com o ginecologista e ele encaminhar para outro especialista”.
Neste dia da Ginecologista, celebramos uma das atividades médicas de maior impacto físico e emocional para a população. O ginecologista é o médico de confiança, a porta de entrada para o sistema de saúde, a pessoa que poderá direcionar uma série de cuidados para garantir que a mulher possa viver de maneira mais saudável e completa. Para todas as mulheres, a dica é aproveitar o conhecimento médico cada vez mais avançado sobre a saúde feminina e manter as consultas periódicas.
Para saber mais:
- https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2020_9DEZ.pdf
- https://hekint.org/2017/01/27/the-el-lahun-gynecological-papyrus/
- https://www.fda.gov/science-research/womens-health-research/gender-studies-product-development-historical-overview
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2019-02/pesquisa-56-milhoes-de-brasileiras-nao-vao-ao-ginecologista