Desde 2022, a semaglutida é um dos principais temas nas redes sociais quando o assunto é perder peso. Mas será que ela funciona de verdade? E quais são os efeitos negativos?
A semaglutida (popularizada por seu nome comercial ‘Ozempic’) é um medicamento queridinho nas redes sociais. A “caneta emagrecedora” é propagandeada como o ‘segredo mais mal guardado de Hollywood’, o método ‘quase mágico’ pelo qual as celebridades perdem peso muito rapidamente. Grupos de Facebook e WhatsApp compartilham fotos impressionantes de perdas volumosas de peso em poucas semanas. Apenas no TikTok – rede que fez a popularidade do medicamento explodir recentemente -, vídeos sobre o tema já somam várias centenas de milhões de visualizações. A procura aumentou tanto que, no momento, há falta do medicamento em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil.
Na Austrália, a falta do medicamento levou o governo a sugerir controle de vendas por pessoa nas farmácias, a criar ‘listas de espera’ para comprar semaglutida (só podia entrar na lista quem tivesse em mãos receita médica) e a requisitar aos médicos que o recomendassem apenas para pacientes com diabetes tipo 2 [1].
O que está acontecendo? Seria uma mera moda da internet ou a semaglutida é realmente uma maneira eficiente de perder peso? Seria ela segura?
E quanto ao fato de que ela não é aprovada para controle de peso – oficialmente, a semaglutida foi aprovada apenas para tratar o diabetes tipo 2 -, isso pode trazer consequências negativas à saúde?
No mundo atual, de troca instantânea e facilitada de informações entre as pessoas, muitas vezes as pesquisas científicas – que levam tempo para chegar a conclusões confiáveis, especialmente na área médica – acabam ficando para trás na corrida por respostas rápidas e ‘milagrosas’ para problemas de saúde. Traremos a seguir um painel sobre o que a Ciência tem a dizer da semaglutida e de seus efeitos na saúde.
A “febre semaglutida” começou em 2022. Em meados do ano, rumores circularam na internet de que a megainfluencer Kim Kardashian havia utilizado o medicamento para conseguir usar um justíssimo vestido que era de Marilyn Monroe. Meses depois, o bilionário Elon Musk publicou abertamente em seu Twitter que estava utilizando a semaglutida para perder peso. Em março deste ano, durante as transmissões do Oscar, o apresentador Jimmy Kimmel comentou: “Todos estão com aparência tão boa! Quando eu olho para vocês, não posso deixar de imaginar ‘Será que devo eu também usar Ozempic’?”. De menção a menção, de meme a meme, a febre se espalha…
O que é a semaglutida
Atualmente, a semaglutida é mais conhecida em sua forma injetável, vendida como uma ‘caneta’ para autoaplicação. Existem outras formulações utilizando-a em concentrações ou formas diferentes, com diversos nomes comerciais – como Wegovy (maior concentração) e Rybelsus, que é a semaglutida em comprimido.
A semaglutida é um medicamento recente. Os primeiros estudos clínicos com ela ocorreram em 2008 [2]. Em 2016, foram iniciadas as pesquisas utilizando-a para controle da glicemia em pessoas com diabetes tipo 2 [3]. Um ano depois, o medicamento foi aprovado pela FDA, agência reguladora norte-americana, e sua venda ao público foi iniciada. A versão injetável popular no momento chegou ao Brasil em 2019 [4].
Como a semaglutida funciona?
A semaglutida é uma molécula bastante similar ao hormônio GLP-1. Esse hormônio é naturalmente secretado após as refeições e tem como principais funções incentivar a liberação de insulina e reduzir a liberação de glucagon. O resultado de ambas é reduzir a quantidade de glicose no sangue (com baixo risco de hipoglicemia). São justamente estas funções que tornam a semaglutida um forte aliado no controle do diabetes tipo 2.
Um outro efeito, bastante visado por quem pretende perder peso, é o de inibidor de apetite. A pessoa que utiliza a semaglutida se sente satisfeita por mais tempo. Menos fome leva à menor ingestão de comida, e assim perde-se peso com mais facilidade.
Grandes ensaios clínicos com a semaglutida apontam, também, potenciais benefícios para a saúde cardiovascular e renal em pacientes com diabetes.
A semaglutida permanece no organismo por um período relativamente ‘longo’. Sua versão injetável é utilizada apenas uma vez por semana. Na forma de compridos, basta um por dia. Essa facilidade de uso também é um dos fatores que explicam sua popularidade.
Ela ajuda mesmo a perder peso?
Sim. A semaglutida é uma molécula extremamente eficaz no controle do apetite, resultando em perda facilitada de peso. Diversos estudos comprovam tais efeitos. Um dos mais citados [5], que analisou o efeito de uma dose semanal de 2.4mg de semaglutida em pessoas com IMC maior ou igual a 30 (isto é, com obesidade), demonstrou que elas perderam em média 15% de seu peso inicial na 68ª semana de uso, um resultado significativamente maior que o de outros medicamentos.
A perda de peso ocorre de forma rápida para a maior parte das pessoas. Em poucas semanas, resultados importantes já começam a ser observados. Há, inclusive, um termo ganhando popularidade nos últimos meses, tanto aqui no Brasil quanto no exterior: o “rosto de Ozempic”. Faces com pele saliente, mais enrugadas, seriam uma das ‘consequências’ dessa rápida perda de peso.
Os riscos da semaglutida
Desde que sua popularidade explodiu nas redes sociais, a preocupação no meio médico é crescente. Afinal de contas…
- trata-se de um medicamento com profundos efeitos no organismo,
- que está sendo administrado muitas vezes de forma indiscriminada, sem qualquer acompanhamento médico
- e para tratar um problema (o sobrepeso) para o qual não é oficialmente indicado.
Grupos e entidades médicas publicaram cartas abertas pedindo atenção quanto ao uso da semaglutida para fins estéticos. A fabricante do medicamento em versão injetável – a gigante farmacêutica Novo Nordisk – alerta que muitos diabéticos não estão conseguindo mais encontrá-lo nas farmácias, comprometendo um tratamento essencial para a saúde.
Apesar desses avisos, a procura continua alta. E quanto aos efeitos colaterais? Uma das razões da popularidade da semaglutida é sua aparente segurança. Como vimos acima, apesar de reduzir a glicemia, ela dificilmente provoca hipoglicemias (elas até podem ocorrer, porém são raras). O medicamento é bem tolerado pelo organismo e causa poucos efeitos colaterais – os mais comuns são náusea e vômitos, que ocorrem com baixa frequência e duração. Pode ocorrer, também, tanto diarreia quanto constipação, a depender do usuário.
Vale alertar que o medicamento é contraindicado para gestantes e lactantes, pessoas com problemas no fígado ou no pâncreas ou que tenham histórico, como vimos acima, de tumor na tireoide.
Riscos de câncer de tireoide?
A semaglutida faz parte de uma classe de medicamentos chamados de agonistas do GLP-1. Quando os primeiros medicamentos desta classe começaram a ser vendidos, a agência reguladora de medicamentos norte-americana (FDA) exigiu que os rótulos contivessem o aviso de que eram contraindicados para pacientes com história pessoal ou familiar de carcinoma medular de tireoide ou síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2. Isso porque estudos com roedores haviam indicado potenciais riscos para a tireoide. Desde então, diversos estudos buscaram analisar os efeitos dos agonistas de GLP-1 na saúde humana, inclusive nos riscos de câncer de tireoide, mas até o momento nenhuma forte correlação foi encontrada. Ainda assim, por precaução, tais medicamentos continuam não sendo indicados para pacientes que se encaixam na definição da FDA.
Pensando em semaglutida? Reflita sobre os seguintes pontos
Durante a pandemia da COVID-19, acompanhamos com bastante atenção como funcionam as pesquisas clínicas sobre a real eficácia de tratamentos médicos na saúde, sejam eles ‘oficialmente’ criados ou aprovados para tratar ou prevenir uma condição (como as vacinas), sejam eles métodos ‘alternativos’ (como foram a ivermectina e a hidroxicloroquina). Esse uso ‘alternativo’, chamado de ‘off-label’, significa que um medicamento que não foi lançado especificamente para tratar uma doença pode ser útil em seu tratamento, dada a eficácia e segurança de uso.
A semaglutida se encaixa nessa definição: oficialmente, é um medicamento apenas para diabetes tipo 2. ‘Off-label’, está sendo usado para controle de peso, porque percebeu-se que diabéticos que o utilizavam estavam perdendo peso com facilidade. Pesquisas indicam eficiência e segurança nesse aspecto.
A semaglutida é vendida em farmácias sem retenção de receita. Isso leva muitas pessoas – a maioria, possivelmente – a adquiri-la sem antes consultar um médico. Os grupos de Facebook e WhatsApp estão repletos de ‘instruções de uso’, misturando dosagens, tempo de uso, dietas e mil e um fatos anedóticos, sem quaisquer comprovações científicas. Ou seja, hoje, qualquer pessoa pode comprar um medicamento que afeta profundamente vias metabólicas importantes do corpo, mas que é simples de usar e gera resultados palpáveis, sem acompanhamento médico.
O problema é que o controle do peso não é algo que será resolvido com ‘uma canetada’. A semaglutida, mesmo quando indicada para pessoas com obesidade ou sobrepeso, sempre deve ser acompanhada por avaliação de saúde, controle de dieta e melhora dos hábitos de vida (como prática mais intensa de atividades físicas). É uma ilusão acreditar que, com uma simples injeção por semana, perde-se peso ‘para sempre’.
A importância do acompanhamento médico
Sem acompanhamento nutricional e/ou médico, os efeitos colaterais do medicamento podem ser mais severos do que o normal e os efeitos na perda de peso, mais limitados. Especialmente em pessoas que não possuem sobrepeso ou obesidade, sem exercícios físicos complementares e controle de dieta, o emagrecimento pode resultar da perda de massa muscular – o que não é nada interessante. Perder massa muscular leva, a longo prazo, a uma redução no metabolismo, o que favorece o ganho de peso.
Aliás, recuperar o peso perdido é bastante comum em quem usa a semaglutida injetável por conta própria. É preciso notar que o tratamento com o medicamento dificilmente dura muito tempo: afinal, o custo é alto. Aqui no Brasil, um mês custa entre R$600 e R$900 (em São Paulo, o preço gira em torno de R$800/mês). Apesar de ser seguro tomar o medicamento por vários meses, os custos acabam tornando o uso frequente impeditivo para muitos. E, como o fim do uso, é mais do que comum que o peso volte a aparecer na balança – justamente porque o ‘tratamento’ não foi feito com cuidado ou orientação médica. Na internet, juntamente com os relatos e vídeos ‘milagrosos’ de perda de peso, há inúmeros outros avisando que essa perda não é para sempre.
Este mês, a quinta turma do TRF-1 rejeitou, por unanimidade, o pedido da farmacêutica Novo Nordisk de prorrogar a patente do Ozempic até 2036. Com isso, os direitos de exclusividade na produção do medicamente acabam em 2024. Espera-se que, com mais farmacêuticas produzindo versões da semaglutida, o preço diminua e a disponibilidade aumente a partir de 2024.
Para concluir
Em resumo: a semaglutida é um medicamento para diabetes tipo 2 que está sendo utilizado para ajudar a perder peso, tendo sua popularidade ‘bombada’ pelas redes sociais, pelos bons resultados obtido e pela facilidade de uso e de compra. O medicamento é seguro, salvo algumas exceções. Todavia, ele modula o metabolismo do corpo de maneira bastante complexa, e por isso mesmo seu uso não deve ser feito por conta própria.
Cuidar da saúde é a missão das equipes médicas, isto é, profissionais treinados e que conhecem a fundo tanto o funcionamento de medicamentos como a semaglutida quanto as peculiaridades de saúde de cada paciente. Assim, caso esteja interessado(a) no mais novo ‘meme’ do momento para perda de peso, é fundamental conversar com seu/sua nutricionista, endocrinologista ou médico geral. Talvez haja opções ainda melhores que ajudem você a perde peso. Talvez a semaglutida apenas mascare, por algum tempo, algum problema subjacente que poderia ser tratado de outra forma. Seja como for, com orientação médica, você conseguirá unir a perda de peso a uma certeira maior qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
- https://www1.racgp.org.au/newsgp/clinical/semaglutide-supplies-return-to-australia-ahead-of
- Novo Nordisk A/S (13 June 2008). A Randomised Controlled Clinical Trial in Type 2 Diabetes Comparing Semaglutide to Placebo and Liraglutide (Report). NCT00696657. Retrieved 24 March 2023.
- Novo Nordisk A/S (2 October 2019). “Efficacy and Safety of Semaglutide Versus Dulaglutide as add-on to Metformin in Subjects With Type 2 Diabetes”. ClinicalTrials.gov. Archived from the original on 31 July 2018.
- https://revistapegn.globo.com/Banco-de-ideias/Saude/noticia/2020/01/pegn-novo-remedio-de-diabete-e-usado-para-emagrecer-medicos-apontam-riscos.html
- STEP 1 Study Group. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. N Engl J Med 2021; 384:989-1002. March 18, 2021. DOI: 10.1056/NEJMoa2032183