Nas últimas décadas, os casos de transtornos psicológicos entre crianças e adolescentes disparou. Seria a tecnologia o motivo por trás disso? O que fazer para ajudá-los? Saiba mais sobre o estado da saúde mental dos jovens.
Estamos em meio à campanha do Setembro Amarelo, de conscientização sobre a saúde mental. Este é um dos assuntos de saúde mais relevantes do nosso tempo. Pesquisas indicam aumento constante, na última década, de casos de depressão, ansiedade e questões correlatas em todo o mundo – e parece que os mais jovens (inclusive crianças) são os mais impactados por esses problemas.
BRASIL LIDERA RANKING DE ANSIEDADE
Segundo o mais recente mapeamento de transtornos mentais da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está em 1º lugar no ranking global de prevalência de transtorno de ansiedade.
Atualmente, estima-se que 50% dos problemas de saúde mental aparecem antes dos 14 anos e que pelo menos 15% das crianças e adolescentes sofram de algum transtorno psicológico no país.
Como sabemos, a saúde da mente influencia a saúde do corpo inteiro, tendo um enorme impacto na qualidade de vida. O que fazer para identificar sinais de transtornos psicológicos? Quais seriam os principais ‘gatilhos’ que os desencadeiam?
E, principalmente, o que fazer para ajudar quem precisa? Vamos conversar sobre estes pontos a seguir.
A saúde mental dos jovens tem piorado?
A preocupação com a saúde mental dos jovens ganhou força nos últimos anos, quando os resultados de amplas pesquisas começaram a ser divulgados.
Elas analisaram parâmetros de saúde mental coletados na primeira e na segunda décadas dos anos 2000, e mostraram uma tendência alarmante: cada vez mais, crianças e adolescentes relataram questões como estresse, ansiedade, medo, fobias, depressão e até mesmo pensamentos suicidas. Essa tendência acelerou em meados dos anos 2010, portanto antes da pandemia. O que estaria acontecendo?
Para muitos pesquisadores, há uma clara correlação entre a piora na saúde mental dos jovens e a tecnologia. Desde 2014, conforme o uso dos smartphones se popularizou em todo o mundo, o número de jovens com sintomas depressivos disparou.
O Brasil está viciado em telas!
A pesquisa “Digital 2023:Global Overview Report” compilou dados de 45 países e mostrou que o Brasil é o 2º no ranking global de mais tempo de tela por dia. Em média, um brasileiro passa incríveis 09h por dia em frente a alguma tela. Boa parte deste tempo é dedicada aos smartphones.
Em 2023, mais de 180 milhões de brasileiros (cerca de 85% da população) tinham acesso à internet. Destes, mais de 150 milhões utilizavam redes sociais. O número de celulares ativos no país era superior a 220 milhões, o que representa mais de 100% da população.
A tendência brasileira se destaca em comparação a outros países. Por aqui, quase 60% do tempo acordado de uma pessoa é dedicado às telas. No Japão, em contrapartida, apenas 20% desse tempo é focado em equipamentos eletrônicos – mesmo o país sendo um polo de altíssima tecnologia.
Hoje, há uma ideia bastante difundida de que o tempo que se passa em redes sociais – um hábito mais que comum entre os jovens – está intimamente ligado a uma piora na saúde mental. Afinal, as redes sociais mostram ‘mundos ideais’, pessoas ‘ideais’, vidas que parecem de ‘reis’ e ‘rainhas’. A pressão psicológica criada pela comparação entre o que se vê na internet e a realidade pessoal pode ser enorme. Além disso, cada vez mais as redes estão repletas de cenas explícitas de violência e de sexualização, o que também é psicologicamente estressante.
Seria esse o motivo do aumento dos casos de transtornos psicológicos entre os jovens?
Outros fatores que têm impactado a saúde mental dos jovens
Vale notar que a tecnologia não precisa ser a ‘vilã’ dessa história. Talvez seja verdade que as pressões sociais causadas pelos smartphones impactem negativamente a vida psicológica dos jovens, porém há outros fatores que podem estar aumentando os níveis de ansiedade e inquietação nessa parcela da população.
Pesquisadores apontam que, hoje, os jovens nem sempre estão preparados para lidar com problemas seríssimos que estão sempre em discussão, como:
- “Bagunça” generalizada na política e na economia (incluindo crises econômicas recorrentes)
- Guerras e terrorismo
- Problemas climáticos e previsões catastrofistas para o futuro do planeta
- Pandemias globais
- Negatividade e sensacionalismo crescentes na mídia, na hora de apresentar de notícias
- “Ferocidade” na política, cada vez mais violenta (da retórica às ações)
- Sensação de solidão, seja pelo distanciamento digital, seja pelo número de famílias numerosas e estruturadas estar diminuindo
- Falta de suporte e de estrutura nas cidades para atividades entre jovens
Um mundo difícil exige uma mente fortalecida
Alguns estudos apontam que, caso os dados mencionados acima sejam analisados com cuidado, percebe-se que, na verdade, a tecnologia não está relacionada à piora na saúde mental.
Ela poderia até mesmo ter um efeito positivo, já que abre possibilidades de adquirir conhecimento, distrair-se com uma quantidade quase ilimitada de vídeos e de músicas, conhecer novas pessoas, conversar com amigos distantes, ampliar as percepções sobre si próprio e sobre o mundo, buscar auxílio psicológico. Há muito conteúdo positivo no mundo online, e isso pode ser benéfico para a mente de qualquer pessoa.
A questão, no fundo parece ser a seguinte: o mundo anda muito complicado, e é cada vez mais difícil acompanhar as mudanças, sempre aceleradas. Há inúmeras questões sérias em jogo, sendo discutidas a cada momento, influenciando cada um de nós. Pessoas com tendências a problemas psicológicos podem tanto ‘se afundar’ em negatividade nas redes sociais quanto conseguir sair desse ‘buraco’ utilizando as mesmas tecnologias.
O que fazer para ajudar os jovens a superar os obstáculos da vida moderna?
Nesse cenário, não é estranho perceber um aumento significativo nos casos de ansiedade, especialmente naquela faixa etária que já compreende o mundo, porém ainda não tem as ferramentas necessárias para lidar com ele de forma madura.
O que a cor amarela e a saúde mental têm a ver?
Setembro é o mês da saúde mental. Dia 10 é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Em todas essas datas, a cor amarela prevalece. Tudo isso está linkado com um carro e um jovem de 17 anos.
Esta história tem início em 1994, nos Estados Unidos. Naquele ano, o jovem Mike Emme, de 17 anos, tirou a própria vida, espantando família e amigos e impactando profundamente a vida da comunidade da qual fazia parte. Mike era um garoto ativo, que gostava de música, tocava trompete em três bandas diferentes, aparentemente estava sempre bem-humorado, estava prestes a conquistar a faixa preta no Taekwondo. Acima de tudo, Mike adorava restaurar carros antigos, fazendo-os rodar em máxima potência antes de vendê-los. Quando veio a falecer, havia acabado de pintar de amarelo um velho Mustang 68.
Durante o velório, os amigos de Mike trouxeram diversas lembranças na cor amarela, como laços, fitas e cartões, como uma forma de homenagear o amigo apaixonado pelos possantes. Junto com os presentes amarelos, havia muitas mensagens estimulando as pessoas a conversar sobre o que estão sentindo e procurar ajuda para questões psicológicas.
A iniciativa deu origem à campanha Yellow Ribbon (laço amarelo), ativa até hoje. A campanha busca alertar as pessoas sobre comportamentos que possam indicar tendências suicidas, além de estimular quem está depressivo a procurar auxílio.
Em 2003, a OMS criou o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio em 10 de setembro, e a cor amarela – uma referência direta à Yellow Ribbon – foi a escolhida para simbolizar a data. Aqui no Brasil, o nono mês do ano passou a ser o Setembro Amarelo a partir de 2015.
Setembro Amarelo: o que pode ser feito?
Até algumas décadas atrás, o cuidado com a saúde mental nem sempre era levado a sério. Muitas queixas, angústias e reclamações eram vistas como ‘frescuras’ ou ‘fraquezas’. Felizmente, hoje em dia, esse cenário tem mudado de forma rápida, com uma forte conscientização de que o estado mental de uma pessoa precisa ser respeitado, com suspensão de julgamentos e aumento da empatia.
Para quem está passando por momentos de ansiedade, depressão e demais questões psicológicas, é muito importante receber o apoio das pessoas ao seu redor. Por isso, fique atento(a) a sinais de isolamento, de comportamento errático ou antissocial de parentes ou amigos. É importantíssimo respeitar esse momento de vida deles e buscar compreender que cada pessoa lida com os problemas de forma diferente.
Receber suporte, mesmo que seja um ‘ouvido amigo’ para escutar, sem julgamentos, o que passa pela cabeça, pode fazer uma grande diferença. O auxílio profissional nessas horas é de extrema relevância, e ajudará a pessoa afetada não apenas a se compreender melhor, como também a buscar soluções para seus problemas, criando ‘ligações mentais’ entre dúvidas e anseios e as resoluções para eles – conhecimentos a serem levados por toda a vida.
Ainda, vale notar que problemas de saúde mental podem começar bem devagar e ganhar força com o tempo. Por isso, caso note em você ou em pessoas próximas uma piora na saúde psicológica, a dica é tentar identificar o que está contribuindo para esses sentimentos negativos e isolá-los do quotidiano.
Momentos de ‘respiro’ frente às tensões fazem bem. Por exemplo, se perceber que o consumo de conteúdo de mídias sociais está gerando ansiedade ou vício, é hora de cortar esse hábito. Mesmo pessoas que se sentem completamente ‘viciadas’ em redes aprendem que, com um mínimo de esforço, é possível passar dias sem acessar esse tipo de conteúdo, com resultados positivos na qualidade de vida.
Acima de tudo, leve a saúde mental a sério. Estar de bem com si mesmo e com o mundo é uma tarefa dificílima, para qualquer pessoa. É um aprendizado que dura a vida toda. Os mais jovens precisam de guias e orientação sobre como lidar com o mundo moderno. Ser um ouvinte atento e respeitoso de seus problemas e angústias é uma responsabilidade que todos precisamos aceitar.
No Brasil, existem serviços gratuitos de apoio e suporte para quem enfrenta questões de saúde mental.
O CVV (Centro de Valorização da Vida) é um dos principais, atendendo pelo número 188. Ainda, em boa parte dos municípios brasileiros, existe pelo menos um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que conta com psiquiatras, psicólogos e atendentes sociais e atua na promoção da saúde mental. Para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos, há a opção de suporte online via o portal Pode Falar (https://www.podefalar.org.br), uma iniciativa da Unicef.
Para saber mais
- Estudo global sobre saúde mental dos jovens: Kieling C, Buchweitz C, Caye A, et al. Worldwide Prevalence and Disability From Mental Disorders Across Childhood and Adolescence: Evidence From the Global Burden of Disease Study. JAMA Psychiatry. 2024;81(4):347–356. doi:10.1001/jamapsychiatry.2023.5051