Uma breve história da luta contra o fumo: da regra à exceção

29/08/2022

Uma breve história da luta contra o fumo: da regra à exceção

Fumar já foi símbolo de status, já foi ‘cool’, já foi um símbolo de ‘liberação’. Atualmente, cada vez menos pessoas fumam e quase todos conhecem os efeitos negativos do cigarro na saúde. O que aconteceu para gerar essa mudança de percepção?

 

O dia 29 de agosto marca no calendário uma data de suma importância: é o Dia Nacional de Combate ao Fumo. A data comemorativa existe desde 1986, tendo sido criada pela Lei Federal 7.488. Isso oficializou não apenas um dia celebratório no calendário, mas sim uma ideia: a de que o combate ao tabagismo é uma questão de saúde coletiva, já que impacta não apenas o fumante, mas também as pessoas ao seu redor.

Talvez a palavra mais importante do parágrafo acima seja ‘combate’. O tabagismo é uma das formas de dependência mais difíceis de se livrar, e uma das que trazem mais malefícios à saúde. Por isso, há mais de 30 anos governo, associações médicas e sociedade civil se unem em campanhas e movimentos de conscientização e luta contra o vício.

Hospital Vera Cruz - Dia do Combate ao Fumo - poster inicial

Muita coisa mudou nas últimas décadas quando o assunto é cigarro. Da percepção pública sobre a aceitabilidade de fumar às leis e regras que regem seu consumo, houve uma constante evolução. Vejamos alguns detalhes desta interessante história a seguir.

 

A ÉPOCA DE OURO DO FUMO

Até os anos de 1940, fumar era visto como uma atividade social absolutamente normal e aceita. Havia uma enorme pressão de marketing e da indústria estimulando o fumo – afinal, produzir um cigarro é extremamente barato e rápido (no final do século 19, uma máquina era capaz de produzir mais de 200 cigarros por minuto; este número chega a 9.000 hoje), e era necessário escoar a produção. Assim, consumir cigarros o dia inteiro era algo incentivado sob os mais diversos argumentos, alguns deles absolutamente esdrúxulos – mas a sociedade parecia acreditar neles.

Hospital Vera Cruz - Dia do Combate ao Fumo - propaganda antiga de cigarro

Imagem: Flickr.com (CC BY-NC 2.0)

Propagandas dos anos 1920 voltadas às mulheres diziam que fumar ajudava a emagrecer. Algumas décadas depois, até mesmo o movimento de ampliação de liberdades civis às mulheres foi cooptado pelo marketing do cigarro, que vinculou o ato ‘transgressor’ de fumar à luta pelo direito ao voto feminino. Algumas décadas depois, anúncios em revistas vinculavam o cigarro à beleza. E, de fato, havia, no início do século XX, uma certa aura de ‘glamour’ ao redor das fumaças esvoaçantes de alguns tipos de fumo, como charutos e cigarros especiais.

Durante e após a 2ª Guerra Mundial, o consumo disparou, já que os soldados no front europeu recebiam cigarros para estimular a moral – e ganhar um novo vício. No pós-Guerra, as propagandas voltadas aos homens associavam o cigarro – um dos principais vilões da boa saúde masculina – justamente à virilidade e ao sucesso social e profissional.

A pressão da indústria para que as pessoas fumassem cada vez mais era enorme. E isso resultou em taxas alarmantes de fumantes: nos anos 1960, década de pico na porcentagem de fumantes na população em diversos países, cerca de 40 a 50% dos adultos fumavam. Entre os homens, as taxas beiravam os 50%.

 

A MEDICINA ABRE CAMINHO EM MEIO À CORTINA DE FUMAÇA

Com os avanços da medicina, todavia, a cortina de fumaça promovida pelos marketeiros da indústria começou a se dissipar, e os resultados de tanto cigarro no mercado começaram a ficar bastante evidentes.

Um dos primeiros registros médicos dos efeitos negativos do cigarro na saúde é de 1795. O médico alemão Samuel Thomas von Sömmerring escreveu nas publicações da época que havia percebido uma correlação entre fumar cachimbo e a presença de câncer nos lábios.

Desde os anos de 1920, muitos médicos já sabiam que quem fumava tinha riscos maiores de desenvolver câncer nos pulmões. Os artigos detalhando estas descobertas foram encobertos por periódicos da época, que temiam a repercussão negativa que eles trariam para a forte indústria do tabaco, que tinha um peso enorme nas contas de publicidade das principais publicações. Essa é uma história já bem documentada nos anais da Medicina e da Publicidade. Foi só a partir da década de 1950 que os efeitos nefastos do fumo na saúde passaram a ser divulgados de forma mais explícita.

Após a Segunda Guerra Mundial, um período que uniu alto consumo de cigarros a grande aumento no número de cirurgias, médicos dos Estados Unidos e Europa começaram a publicar estudos bastante claros que relacionavam diversos tipos de câncer – em especial nos pulmões – com o fumo. Evidências do tipo se acumularam durante os anos 50; cada vez mais associações médicas, publicações acadêmicas e políticos falavam abertamente sobre o tema. Os fatos eram tão evidentes que os Estados Unidos, inclusive, baniram em 1955 propagandas de cigarro que afirmassem que fumar traria qualquer benefício à saúde, o que era comum até então. E a tendências às restrições somente cresceu ao longo dos anos. Ainda usando como exemplo os Estados Unidos, em 1957, pela primeira vez o governo federal se pronunciou sobre cigarros, indicando que as pessoas não deveriam fumar; em 1965, foram implementados os primeiros avisos de ‘perigo à saúde’ nas embalagens; em 1970, as propagandas em rádio e televisão foram banidas.

 

BRASIL TAMBÉM ADOTA MEDIDAS POLÍTICAS CONTRA O CIGARRO

Aqui no Brasil, movimentos iniciados por profissionais da saúde e sociedades médicas nos anos 1970 resultaram em ações de alto impacto nas taxas de fumantes. Em 1986 (mesmo ano da criação do Dia Nacional de Combate ao Fumo) foi criado o Programa Nacional de Combate ao Fumo, que existe até hoje e coordena ações de conscientização e luta contra o tabagismo em todo o sistema público de saúde.

Em 1990, o primeiro imposto específico sobre os cigarros entrou em vigor. O ano de 1996 foi marcante, já que os rótulos de aviso de danos à saúde começaram a ser incluídos nas embalagens de cigarros e nos anúncios impressos, a publicidade foi severamente limitada, houve aumento de preço nos maços e as primeira leis sobre em quais ambientes o fumo era permitido passaram a valer. No início dos anos 2000, as imagens de advertência ficaram mais fortes e explícitas, como são até hoje, mostrando fotos reais (e terríveis) dos efeitos do cigarro na saúde. O período de 2007 a 2009 viu uma série de leis estaduais e municipais sobre restrição de ambientes de fumo serem aprovadas. O resultado de todas essas medidas?

Campanha dia de combate ao fumo - Governo Federal

 

FUMANTES: UMA PORCENTAGEM DA POPULAÇÃO EM RÁPIDO DECLÍNIO

Segundo o Instituto Nacional de Câncer, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, o número de fumantes no Brasil despencou nos últimos anos. Em 1989, 34,8% da população acima de 18 anos era fumante, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN). Esse número caiu para 12,6 % em 2009, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).

A tendência continua a ser de queda: o preço do cigarro sobe, novos impostos estão sendo aplicados e mesmo os métodos mais ‘modernos’ de fumo, como cigarros eletrônicos e narguilé, já não atraem tantas pessoas. A conscientização de que mesmo estes tipos de fumo ‘sem cigarro’ fazem mal a saúde está cada vez mais presente na população. Entre os jovens brasileiros, nos últimos anos, a taxa de fumantes ficou constantemente abaixo dos 7%.

Nos Estados Unidos, em 1997, 35% dos jovens afirmavam ser fumantes. Em 2017, esse número foi de menos de 10%.

Ainda nos Estados Unidos, em 1974, a porcentagem de fumantes que consumia mais de 24 cigarros por dia era de 25%. Em 2018, apenas 6% dos fumantes consumiam essa quantidade alta de cigarros todos os dias.

 

AFINAL, QUAIS SÃO OS IMPACTOS DO FUMO NA SAÚDE?

Em pleno século XXI, já se foi o tempo do marketing glamouroso, do fumo como algo inofensivo e socialmente aceito em qualquer ambiente, das associações entre cigarro e status social ou virilidade. Hoje, a população já está bem alerta acerca dos efeitos nocivos do fumo. Todavia, fumar ainda é um hábito prazeroso para muitos – afinal, criar essa sensação de prazer é um dos efeitos da nicotina no cérebro, e é um dos motivos pelos quais o vício é difícil de ser largado.

Mas a Ciência é mais do que clara com relação ao quê os cigarros causam no corpo humano. Sempre vale a pena lembrar:

Hospital Vera Cruz - Dia do Combate ao Fumo - riscos cancer de pulmao 2

Quando comparado com um não-fumante, fumantes apresentam… 

 

  • 25x mais chances de desenvolver câncer de pulmão
  • de 02 a 04x mais chances de ter doença arterial coronariana, uma das principais causas de morte em todo o mundo
  • de 02 a 04x mais chances de ter um AVC
  • risco elevado de desenvolver câncer em diversas partes do corpo, como:
    • Bexiga
    • Sangue (leucemia mielóide aguda)
    • Colo do útero
    • Cólon e reto (colorretal)
    • Esôfago
    • Rim e ureter
    • Laringe
    • Fígado
    • Orofaringe (inclui partes da garganta, língua, palato mole e as amígdalas)
    • Pâncreas
    • Estômago
    • Traqueia, brônquios e pulmão

 

Apesar das más notícias acima, outro fato é muito importante de ser frisado: a Ciência também mostra que parar de fumar, não importa por quantos anos a pessoa foi fumante ou quantos maços consumia por dia, sempre traz melhoras gerais para a saúde e ajuda a prolongar os anos de vida.

Em outras palavras, nunca é tarde para parar e repensar hábitos. Deixar para o passado a fumaça do cigarro permite vislumbrar um futuro mais claro, nítido e livre de problemas. Para quem ainda fuma, fica a dica: que tal fazer do Dia Nacional de Combate ao Fumo a data em que você finalmente deixou para trás esse vício e escolheu viver com mais saúde?

 

PARA SABER MAIS

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