Tire suas dúvidas sobre o vitiligo, acompanhe novidades sobre a doença e saiba o que grupos de apoio em todo o mundo – incluindo fabricantes de brinquedos! – estão fazendo para diminuir o estigma social.
Em 25 de junho lembramos o Dia Mundial do Vitiligo. Esse é um dos ‘dias de doenças’ (datas no calendário que lembram um determinado problema de saúde) mais ‘populares’, gerando um volume grande de buscas na internet e de matérias compartilhadas nas redes sociais. Não é à toa: o vitiligo é uma doença com presença marcante, ficando explícita justamente na nossa pele, o que gera reações tanto na pessoa afetada quanto em quem está ao seu redor.
Além disso, nos últimos anos, é cada vez mais comum vermos celebridades – de supermodelos a influenciadores digitais – mostrando o corpo e discutindo abertamente o vitiligo, ajudando a popularizar uma questão que já foi (e continua sendo) envolta em muitos estigmas.
@winnieharlow Cannes 23 💚
Mesmo para quem não tem vitiligo, é fácil imaginar o grave impacto psicológico da doença. Estudos mostram que mais da metade dos pacientes de vitiligo possui algum distúrbio psicológico, seja ele depressão, ansiedade, fobia social, sentimentos de estigmatização, distúrbios do sono ou dificuldades de relacionamento. Não é por menos. O fardo da doença pode ser muito pesado. Nessas horas, nada melhor do que aprender mais sobre vitiligo, tirar dúvidas e desmistificar conceitos antigos para ajudar a aliviá-lo.
Quantas pessoas no mundo têm vitiligo?
O vitiligo é uma doença conhecida em todo o mundo – e já há bastante tempo. Para ser mais exato, há mais de 3.000 anos, pelo menos. Ela é citada em textos sagradas de todas as principais religiões (na Bíblia, por exemplo, o versículo 38 de Levítico:13 é usualmente associada ao vitiligo), com as referências mais antigas sendo de textos hinduístas e egípcios.
Esse conhecimento, porém, nem sempre é associado à sabedoria. Sabemos disso porque os relatos de estigmas sociais relacionados ao vitiligo abundam em todo o planeta. Em alguns países, mesmo hoje em dia, a doença ainda é associada a maldições divinas, feitiços ou promiscuidade sexual. Em locais assim, esses estigmas ajudam a ‘esconder’ a doença, levando os pacientes a buscar a reclusão, a esconder sintomas, a não procurar ajuda médica.
Talvez por isso mesmo, o número real de pessoas afetadas ainda não é conhecido.
Em estudos, a prevalência na população global varia de 0.004% a 2.28% (uma faixa muito grande, que demonstra incerteza), e o número talvez seja ainda maior em algumas regiões. Parece haver, também, fortes diferenças de prevalência em determinados locais. A China aponta presença de vitiligo em 0.093% da população; na Dinamarca, o número é quatro vezes maior (0.38%). No estado indiano de Guzerate, o índice chega a 8.8% das pessoas.
Os próprios pesquisadores apontam que que estes números não levam em consideração milhões de pessoas não-diagnosticadas ou que, mesmo sabendo que têm a doença, não procuram ajuda. Nos Estados Unidos, país com controle razoavelmente bom de doenças em nível populacional, as estimativas são de que 0.76% a 1.11% das pessoas tenha vitiligo. 40% desses casos ainda não foram diagnosticados.
Estimativas mais recentes afirmam que deve haver de 65 a 95 milhões de pessoas com vitiligo no mundo. Dado o grau de desconhecimento, o número costuma ser arredondado para 100 milhões.
Em termos simples, o que é o vitiligo?
O vitiligo é uma doença crônica (isto é, ainda sem cura) muito possivelmente relacionada ao sistema imune, afetando a pele, nosso maior órgão. A doença faz com que regiões da pele percam a pigmentação (elas ‘perdem a cor’), ficando com a aparência de ‘manchas brancas’.
Estudos apontam que, nas pessoas afetadas, o próprio sistema imune, por algum motivo, ataca as células conhecidas como melanócitos, responsáveis por produzir a melanina (o pigmento que dá cor à pele). É a destruição dos melanócitos na pele que causa as manchas brancas.
É muito provável que haja diversos ‘tipos de vitiligo’, cada um deles com causas diferentes, e o sistema imune não seja o ‘culpado’ em todos eles; no momento, todavia, estas são questões ainda em análise. A maior parte dos casos parece ser relacionada ao sistema imune, de fato.
As regiões da pele sem pigmentação são mais comuns nas extremidades, como os dedos. Elas costumam iniciar pequenas e aumentar de tamanho com o tempo. Não há um formato mais comum para essas manchas – elas podem aparecer em qualquer região da pele, em formas e tamanhos diversos.
Na maior parte dos casos, a doença surge antes dos 20 anos de idade, progredindo nos 10 a 20 anos seguintes (depois, é comum o vitiligo se ‘estabilizar’). Já foram identificados casos, todavia, de vitiligo em bebês de 06 semanas e em idosos de mais de 80. A doença afeta homens e mulheres, de todas as cores de pele (sendo mais perceptível, obviamente, em pessoas com a pele mais escura).
Importante ressaltar: apesar de causar alterações visíveis à pele, o vitiligo não é, de maneira alguma, contagioso.
Como vimos acima, não é possível, ainda, identificar com absoluta certeza o que desencadeia a doença. Sabe-se que há um componente genético em ação (porém não hereditário). Alguns fatores, todavia, já foram apontados como potenciais ‘responsáveis’ por desencadear a destruição dos melanócitos:
- alguns produtos químicos e toxinas, especialmente aqueles que contêm fenóis;
- o ambiente externo em que a pessoa vive ou trabalha,
- questões emocionais,
- danos físicos à pele,
- problemas na digestão de alimentos,
- mudanças hormonais.
Fora os danos aos melanócitos, a doença não gera outros problemas no organismo. Por isso, ela não afeta negativamente a saúde do portador (ou sua expectativa de vida) de nenhuma outra maneira – a não ser quando consideramos as questões psicológicas. Como discutido, o vitiligo pode ser devastador psicologicamente, especialmente se a pessoa viver em grupos ainda repletos de preconceitos.
É importante notar, também, que nem toda região despigmentada da pele é necessariamente vitiligo. A falta de pigmentação em uma região se chama leucoderma, e existem diversas outras questões de saúde que podem gerar este efeito, como o contato prolongado com algumas substâncias químicas, infecções, problemas nutricionais (como deficiência de selênio), síndromes genéticas e hipopigmentação pós-inflamatória.
Por ser uma doença do sistema imune, é muito comum que a pessoa com vitiligo também possua alguma outra doença autoimune. Um estudo publicado em 2020 e que analisou 10 anos de dados de saúde de uma população urbana norte-americana identificou diversas doenças estatisticamente mais comuns em pessoas com vitiligo. Entre elas:
- hipotireoidismo,
- esclerose múltipla,
- artrite reumatoide,
- púrpura trombocitopênica idiopática,
- artrite soronegativa,
- anemia perniciosa,
- miastenia grave,
- doença inflamatória intestinal,
- linfoma e lúpus eritematoso sistêmico
Brinquedos para combater o preconceito
Como vimos acima, talvez o fator mais negativo do vitiligo é o impacto psicológico que as manchas esbranquiçadas na pele causam no portador, assim como a reação de terceiros. Seria ótimo se todos vissem o vitiligo como algo normal, mais uma variação na enorme diversidade humana. O que gera a questão: como tornar o vitiligo mais comum aos olhos da sociedade?
Uma maneira é começar a educar desde cedo. Nos últimos anos, diversas fabricantes de brinquedos criaram versões de seus personagens mais famosos ‘com vitiligo’. Isso tem ajudado milhões de crianças a se sentirem reconhecidas, assim como incute nas outras crianças a ideia de ‘normalidade’ dos sintomas que a doença causa.
Em 2020, a Mattel lançou a primeira boneca Barbie com vitiligo. Dois anos depois, foi a vez de uma versão do boneco Ken. Ainda no ano passado, a Lego começou a incluir bonequinhos com vitiligo em seus kits de montar, em uma iniciativa que animou inúmeros grupos de apoio em todo o mundo.
Vitiligo e Michael Jackson
Qual o motivo do Dia do Vitiligo ser lembrado em 25 de junho? É que nesta data, em 2009, morria talvez a maior celebridade, reconhecida em todos os cantos do planeta, que convivia com a doença: Michael Jackson. Jackson começou a apresentar sintomas do vitiligo no início dos anos 1980. Rapidamente, o homem negro que conquistou multidões com seus hits e coreografias inusitadas havia se tornado praticamente ‘branco’. A velocidade da progressão do vitiligo impressionou o mundo, e foi apenas após a sua morte que a verdade veio à tona: além de vitiligo, Jackson também tinha lúpus, outra doença autoimune, que possivelmente potencializou e ‘acelerou’ a despigmentação causada pelo vitiligo.Outros famosos que abertamente convivem com o vitiligo são:
- a supermodelo Winnie Harlow,
- a nossa supermodelo Luiza Brunet,
- o rapper brasileiro Rappin Hood,
- os atores norte-americanos Jon Hamm e Steve Martin,
- o ex-Primeiro Ministro francês Édouard Philippe.
Medicamentos para vitiligo?
Hoje em dia, a progressão do vitiligo pode ser reduzida – ou até mesmo ‘parada’ – em cerca de 90% dos casos, por meio de uma combinação de terapias. Estima-se que até 75% dos pacientes respondam bem aos tratamentos atuais. Para a maior parte dos casos, as opções de tratamentos iniciais são baratas, simples, com poucos efeitos colaterais e com eficiência elevada, ajudando a desacelerar a doença e até mesmo a repigmentar a pele. Esses tratamentos são baseados em uso de pomadas de corticoides ou inibidores de calcineurina, medicamentos orais ou tópicos. A fototerapia (emissão de luz em faixas específicas) também é uma opção que tem se mostrado eficiente em casos mais complexos.
Ou seja: há tratamentos para o vitiligo. Ainda é muito comum a ideia de que não é possível fazer nada contra a doença, especialmente depois que as regiões despigmentadas já surgiram. Mas isso também pode estar mudando.
Há cerca de 02 meses, a União Europeia aprovou a comercialização do ruxolitinibe, um creme (15mg/g) capaz de repigmentar regiões afetadas pelo vitiligo. Em estudos clínicos, 50% dos pacientes tratados com a pomada relataram melhora superior a 75% na repigmentação (com relação à linha de base) após 52 semanas de tratamento. Em julho do ano passado, a FDA norte-americana já havia aprovado o produto. Ele é indicado para pessoas com vitiligo não-segmentar (isto é, que não afeta exclusivamente um lado do corpo), a partir dos 12 anos de idade. Especialistas apontam que o medicamento poderá estar disponível no Brasil em 2024 ou 2025, mas o custo inicial possivelmente será bastante elevado – na Europa, o medicamento custa, hoje, mais de 2 mil euros.
Apesar desse preço alto, a aprovação da nova pomada mostra uma tendência interessante: no início do século, apenas dois ou três laboratórios trabalhavam em medicamentos para combater o vitiligo. Atualmente, há dezenas de candidatos para ajudar no controle da doença em fase de testes clínicos, sejam eles novas drogas, sejam novas utilizações ‘off-label’ de medicamentos já existentes. O ruxolitinibe é o primeiro medicamento aprovado com o propósito específico de repigmentar a pele de pessoas com vitiligo (outros medicamentos possuem o mesmo efeito, mas são usados de forma ‘off-label’), mas há dezenas de outros na linha de testes da FDA (a ‘Anvisa’ dos EUA) para uso em diversos estágios da doença.
Concluindo
Certamente, os avanços médicos e os da indústria farmacêutica trazem enormes esperanças para quem convive com o vitiligo. Ainda assim, talvez a conscientização das pessoas sobre a doença é o principal alento de que um futuro mais leve e compreensivo esteja sendo desenhado. Campanhas com o Dia Mundial do Vitiligo ajudam a lembrar que a pele, apesar de ser nosso maior órgão, é apenas uma parte mínima do que significa ser humano. E que precisamos de toda a sociedade para que uma cura real seja alcançada.
PARA SABER MAIS
Efeitos psicológicos do vitiligo: Ezzedine K, Eleftheriadou V, Jones H, Bibeau K, Kuo FI, Sturm D, Pandya AG. Psychosocial Effects of Vitiligo: A Systematic Literature Review. Am J Clin Dermatol. 2021 Nov;22(6):757-774. doi: 10.1007/s40257-021-00631-6. Epub 2021 Sep 23. PMID: 34554406; PMCID: PMC8566637.
Comorbidades em pessoas com vitiligo: Ali Hadi, Jason F. Wang, Pushpinder Uppal, Lauren A. Penn, Nada Elbuluk. Comorbid diseases of vitiligo: A 10-year cross-sectional retrospective study of an urban US population. JAAD VOLUME 82, ISSUE 3, P628-633, MARCH 2020. Published:July 17, 2019DOI:https://doi.org/10.1016/j.jaad.2019.07.036.
Vitiligo na história: George W. M. Millington, Nick J. Levell. Vitiligo: the historical curse of depigmentation. International Journal of Dermatology Volume 46, Issue 9, September 2007, Pages 990-995. First published: 03 September 2007 https://doi.org/10.1111/j.1365-4632.2007.03195.x