Febre maculosa: o que a torna tão perigosa? O que ela causa no corpo? E desde quando é conhecida? - Blog - Hospital Vera Cruz

04/07/2023

Febre maculosa: o que a torna tão perigosa? O que ela causa no corpo? E desde quando é conhecida?

Entenda os danos ao corpo causado pela bactéria da febre maculosa e como é feito o tratamento. Acompanhe também um breve histórico da doença.

 

Um pequenino artrópode foi o grande destaque deste mês de junho. Os carrapatos – mais especificamente, os carrapatos do gênero Amblyomma, popularmente conhecidos como carrapatos-estrela – ganharam manchetes em todo o país, devido aos casos seríssimos de febre maculosa ocorridos após festa em uma fazenda na cidade de Campinas, SP. Muita gente se impressionou com a taxa de letalidade da doença e com a maneira como ela é transmitida.

Hoje, vamos resumir tudo o que você precisa saber sobre febre maculosa e trazer um breve histórico da doença, que vem assustando frequentadores de áreas verdes há mais de um século.

 

Febre maculosa: o que é necessário saber

O que causa a doença? 

Após esse ‘surto’ recente, agora você com certeza já sabe: a doença é causada por uma bactéria, e não pelo carrapato em si. Essa bactéria é transmitida para o corpo humano durante a picada do carrapato. Aqui no Brasil, as duas espécies de bactérias mais comumente associadas à febre maculosa são Rickettsia rickettsii e Rickettsia parkeri.

O nome da bactéria que causa a febre maculosa – Rickettsia rickettsii – pode parecer curioso, mas explicaremos sua origem!

 

Transmissão

A transmissão dessa bactéria para os humanos pode se dar de duas maneiras diferentes.

A primeira maneira: durante a picada, enquanto o bichinho suga nosso sangue, as bactérias presentes no carrapato podem ser transmitidas para nós.

Outra forma de contaminação é durante o processo de retirada do carrapato. Se eles não forem removidos inteiros – sendo, ao invés, ‘esmagados’ com pinças ou até mesmo com as unhas -, a hemolinfa contaminada com as bactérias pode entrar em contato com nosso sangue, e a transmissão ocorre nesse momento.

Hospital Vera Cruz - Blog - Post Febre Maculosa - Numero de carrapatos infectados

Por isso, realizar a retirada do carrapato com cuidado é essencial. Busque utilizar pinças (e não a mão desprotegida) e removê-lo perpendicularmente à pele, por meio de leves movimentos de torção, para que ele saia ‘por inteiro’.

Vale notar: apenas 1% dos carrapatos está infectado com a bactéria da febre maculosa!

Quando estiver em áreas verdes, é recomendado o uso de roupas claras (para fácil identificação do carrapato), mangas e calças compridas e a aplicação de repelente em áreas de pele exposta.

Outra dica importante: métodos de retirada do carrapato que causam ‘estresse’ no bichinho podem ser perigosos. É fácil encontrar dicas, por exemplo, de uso de agulhas quentes, fósforos ou produtos químicos para ajudar a ‘desgrudar’ o carrapato. Tais métodos podem, todavia, fazer com que ele libere uma quantidade maior de saliva, inoculando ainda mais bactérias. Por isso, o método da pinça ainda é o mais recomendado.

 

Quanto tempo demora até aparecerem os sintomas?

A partir do momento em que o carrapato ‘pica’ uma pessoa, são necessárias de 04 a 06 horas para que a bactéria seja transmitida. Em outras palavras: a infecção não ocorre imediatamente após a picada. Se você esteve em áreas verdes, deve realizar checagens à procura de carrapatos a cada duas horas e removê-los com segurança, evitando, assim, contrair doenças.

Após a inoculação das bactérias, há um período de incubação que pode variar de 02 a 14 dias até o início dos sintomas.  Em média, 07 dias após a picada, os sintomas já começam a ser percebidos. Em adultos, os primeiros sintomas costumam ser a tríade clássica : febre elevada, dores musculares e dores de cabeça.

 

Sintomas da febre maculosa

Os principais sintomas da febre maculosa são:

As manchas avermelhadas geralmente surgem mais tardiamente na doença, após o terceiro ou quarto dia. Elas não coçam, são pequenas, podem ser manchas ou podem ser elevadas e salientes, assemelhando-se a picadas de pulgas. Podem aparecer em todo o corpo, mas usualmente surgem primeiro nos pulsos e tornozelos (distribuição centrípeta), e com o tempo vão ‘avançando’, confluindo e tornando-se arroxeadas, até as palmas das mãos e solas dos pés.

Nem todo mundo que foi contaminado pela bactéria terá formas graves de febre maculosa – alguns poderão até apresentar formas mais leves. Todavia, é importante procurar ajuda médica caso sinta qualquer dos sintomas acima, não importa a gravidade, e tenha estado recentemente em áreas verdes. Se não tratada, a febre maculosa pode causar danos gravíssimos à saúde, tendo uma taxa alta de letalidade.

As formas graves de febre maculosa estão associadas à inflamação sistêmica, lesões vasculares severas, necrose de extremidades, insuficiência respiratória e renal, além de comprometimento do sistema nervoso central.

 

Febre maculosa em crianças

Crianças que pegaram febre maculosa costumam apresentar sintomas, em média, 04 dias após a picada do carrapato (mais cedo que em adultos, portanto).

Os primeiros sintomas que surgem são os gastrointestinais, como enjoos, vômitos e dores abdominais. Manchas avermelhadas também surgem logo no início, entre os dias 02 e 04, em 90% das crianças.

 

O tratamento da febre maculosa

As bactérias causadoras da febre maculosa são intracelulares, isto é, estão presentes no interior das células do nosso corpo. Isso desencadeia um processo inflamatório grave, que causa danos aos vasos sanguíneos e, consequentemente, os sintomas mais graves listados acima.

Se a febre maculosa não for tratada, pode matar. Dados mostram que a taxa de letalidade está entre 40 a 70% dos casos , um número considerado muito alto. Todavia, tratamento existe, é barato e extremamente eficaz.

Como a doença é causada por uma bactéria, o tratamento da febre maculosa é por antibióticos. Quanto antes o tratamento for iniciado, melhor. O histórico médico indica que é fundamental iniciar os antibióticos já quando surgirem os primeiros sintomas, período em que a eficácia do tratamento é altíssima (o início tardio tem eficácia bastante reduzida).

A doxiciclina é o principal antibiótico utilizado, em todas as idades e independentemente do grau de severidade da doença. O medicamento é indicado por um período de 07 a 10 dias (ao menos durante 03 dias após o término da febre). Uma vez iniciado o tratamento, a febre costuma ser controlada em 01 a 03 dias, e a pessoa estará completamente curada pouco tempo depois.

 

A febre maculosa é conhecida há mais de 100 anos

A febre maculosa é uma doença encontrada em todo o mundo. Porém, as formas mais graves são observadas no continente americano. Em cada região, espécies de carrapato diferentes são associadas à doença, mas a bactéria é sempre a mesma.

Há 20 anos, a febre maculosa entrou na lista de notificação compulsória do Ministério da Saúde brasileiro – isso é, os casos devem ser obrigatoriamente comunicados pelos médicos às autoridades de saúde pública. Nos Estados Unidos, a notificação compulsória ocorre desde os anos de 1920.

A febre maculosa aparece descrita pela primeira vez em 1896, em um artigo publicado pelo Major Marshal H. Wood, médico do exército dos Estados Unidos. Três anos depois, em 1899, temos o primeiro registro ‘oficial’ da doença na literatura médica. Nos anos seguintes, diversos casos e surtos foram estudados pela comunidade médica, e o que mais impressionava era a taxa de mortalidade, que chegou a 69% dos infectados em um dos estudos. Logo, os pesquisadores associaram os sintomas da doença às picadas de carrapatos – uma associação feita por mera observação, mas ainda sem provas.

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Foi o patologista Howard Taylor Ricketts quem demonstrou, em 1906, que era uma bactéria a causadora da doença – por isso mesmo, ela foi batizada de Rickettsia rickettsii, em homenagem ao médico. Ele fez essa associação identificando a bactéria tanto em sangue de humanos com febre maculosa quanto em ovos de carrapatos infectados.

Foi apenas nos anos de 1940 que os tratamentos por antibióticos começaram a ser usados em casos de febre maculosa. Antes, a taxa de mortalidade média era de 30%. Como vimos, hoje em dia, casos não-tratados ou com início tardio de tratamento podem ter taxas de mortalidade de 40%. A febre maculosa sempre foi, portanto, muito perigosa. Vale notar que, hoje em dia, a mortalidade da doença é de cerca de 1%, já que existe tratamento eficaz e simples contra ela. O importante é identificar rapidamente a picada do carrapato e procurar cuidado médico o quanto antes.

 

Para saber mais:

Informações gerais sobre a doença:

Sintomas da febre maculosa: https://bvsms.saude.gov.br/febre-maculosa-brasileira/

Febre maculosa em crianças: Buckingham S, Marshall G, Schutze G, et al: Clinical and laboratory features, hospital course, and outcome of Rocky Mountain spotted fever in children. J Pediatr 2007; 150: pp. 180-184.

Tratamento com antibióticos: Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, Coordenação-Geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial. Nota Técnica no 97/2022-CGZV/DEIDT/SVS/MS. Disponibilização da doxiciclina 100mg, solução injetável, utilizada no tratamento da febre maculosa brasileira no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), distribuídos pelo Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF), nos anos de 2022 e 2023. [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022b. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2022/sei_ms-0029017249-nota-tecnica.pdf/view.

Histórico da febre maculosa: Anna R. Thorner, David H. Walker, and William A. Petri. “Rocky Mountain Spotted Fever.” Clinical Infectious Diseases 27, no. 6 (1998): 1353–59. http://www.jstor.org/stable/4481728.

 

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