Por não conterem tabaco, cigarros eletrônicos e outros métodos de vaping alardeiam ser alternativas saudáveis de se fumar. Veja o que é verdade nesta história.
O último 31 de maio foi o Dia Mundial sem Tabaco, data que contou com campanhas e eventos em todo o planeta. Normalmente, aproveita-se o dia para relembrar os diversos malefícios que o cigarro traz para a saúde – mas, em 2023, vale a pena explorar um assunto correlacionado, de altíssima relevância: as supostas ‘alternativas mais saudáveis’ para o consumo dos cigarros tradicionais, isto é, os cigarros eletrônicos e o vaping.
A popularidade destes produtos tem crescido muito nos últimos anos, em especial entre o público mais jovem. Campanhas de marketing agressivas afirmam que o vaping é seguro e ‘mais saudável’ que o cigarro comum, sendo até indicados para quem pretende parar de fumar. Mas afinal, ao retirar o tabaco da composição, os cigarros eletrônicos são alternativas realmente seguras? Vários casos recentes têm mostrado que a história não é bem essa…detalhamos a seguir.
Quase todo mundo está bem informado sobre os malefícios dos cigarros tradicionais. Pesquisas realizadas no mundo inteiro indicam que cerca de 70% dos fumantes deseja parar com o hábito. Afinal, o cigarro afeta negativamente quase todos os órgãos e sistemas do organismo, inclusive o coração – estima-se que quase 1/3 das mortes por doenças cardíacas seja resultado do fumo ativo ou passivo.
Vaping e cigarros eletrônicos: sem tabaco, mas são realmente mais saudáveis?
Talvez você tenha se deparado recentemente com uma notícia de um jovem que teve os ‘pulmões perfurados’ por causa de vaping. A terminologia muda um pouco de matéria para matéria – algumas falam em ‘pulmões colapsados’, outras em ‘pulmões necrosados’ –, porém o cerne do caso se mantém: um jovem de 22 anos, que utilizava cigarros eletrônicos em grande intensidade há 05, teve de ser operado emergencialmente por conta de danos gravíssimos aos pulmões, com consequências que serão sentidas ao longo de toda a vida.
O caso do jovem está longe de ser isolado e demonstra uma tendência preocupante: a de que usuários de cigarros eletrônicos, praticantes de vaping e técnicas similares, estão ficando cada vez mais doentes. Os casos de doenças crônicas relacionadas ao hábito aumentam em todo o mundo. Apenas nos Estados Unidos – país em que há um controle mais ou menos eficiente do número de casos médicos envolvendo vaping –, em 2020 foram notificados quase 3 mil casos de danos pulmonares relacionados à prática, assim como 68 mortes. O problema é que ninguém sabe exatamente em que patamar esses números irão parar.
‘Vaping’ é o termo genérico utilizado para a inalação de vapor ao invés de fumaça. O nome vem do inglês ‘vaporizer’. Existem vários equipamentos vaporizadores (que geram o vapor a ser inalado), sendo os cigarros eletrônicos alguns dos mais populares – tanto que, para muitos, o termo é quase sinônimo de uso de cigarros eletrônicos.
O ‘vaping’ e os cigarros eletrônicos ganharam enorme popularidade há cerca de 15 anos, como uma promessa de ‘fumo saudável’ – isso é propagandeado até hoje em qualquer site ou grupo que promova o vaping. A ideia vendida é a de que os cigarros ‘normais’ fazem mal por conterem inúmeras substâncias tóxicas que são queimadas e inaladas. O vaping eliminaria essas substâncias, retirando o tabaco da ‘receita’, e o inalado seria uma mistura ‘mais pura’ de vapor d´água com nicotina (a nicotina foi mantida nas formulações, a fim de gerar as modificações psicológicas típicas do cigarro).
Em teoria, o vaping poderia ser uma boa ideia para quem pretende parar de fumar, ou ao menos consumir menos cigarros. Afinal, os cigarros eletrônicos ainda possuem a nicotina, portanto haveria o prazer de consumi-la (haveria o prazer de ‘fumar’ algo), mas diversas substâncias perigosas presentes nos cigarros tradicionais seriam eliminadas. A realidade, todavia, é mais complexa que o marketing.
O tabaco causa doenças, mesmo em quem não fuma
Que o fumo passivo provoca danos à saúde não é segredo para ninguém. Mas você sabia que o tabaco afeta negativamente a saúde mesmo quando não está presente em cigarros?
Segundo a Organização das Nações Unidas, quem planta tabaco fica exposto, diariamente, ao pó resultante do processamento das folhas e aos pesticidas utilizados nas plantações. Uma pessoa que planta, cultiva e colhe tabaco pode absorver o equivalente, em nicotina, a 50 cigarros diários.
Ainda de acordo com a ONU, 25% dos fazendeiros de tabaco possuem níveis elevados e danosos de nicotina no organismo, apresentando sintomas que incluem náusea, vômitos, dores de cabeça, tontura, sudorese, dores abdominais, diarreia, fraqueza e falta de ar.
Vantagens do vaping?
Quem promove o uso de cigarros eletrônicos costuma apontar algumas supostas ‘vantagens’ do método. Vamos ver se elas fazem sentido:
- O vapor exalado é vapor de água: não é verdade. ‘Vapor de água’ soa extremamente inócuo, puro, seguro. Porém, os aerossóis produzidos pelos vaporizadores são compostos, na verdade, por micropartículas, muitas delas tóxicas. Não se deixe enganar pela cor branquinha e pela aparente falta de cheiro desse vapor: há muito mais do que apenas ‘água’ ali no meio!
- Não deixa mau cheiro: isso é verdade, uma vez que o vapor eliminado não possui diversos componentes aromáticos presentes no cigarro tradicional (e os aromas artificiais adicionados ao cigarro eletrônico são altamente voláteis).
- Não expõe outras pessoas ao fumo passivo: não é verdade. Evidências se acumulam de que o vapor dos cigarros eletrônicos afeta profundamente as pessoas ao redor. Não é para menos: apesar de não terem o cheiro característico dos cigarros, o vapor contém nicotina, milhares de partículas ultrafinas e de substâncias potencialmente tóxicas, que são eliminadas no ambiente e podem ser respiradas, absorvidas pela pele ou ficar depositadas por longo tempo em superfícies.
- Não causa envelhecimento da pele: não se pode afirmar isso, por faltarem quaisquer bases científicas e estudos rigorosos sobre o assunto.
- Não causa doenças relacionadas ao cigarro tradicional: este, talvez, seja o cerne da discussão sobre os cigarros eletrônicos. A afirmativa não é verdadeira. Apesar do cigarro normal ser extremamente nocivo e os vaporizadores possuírem, aparentemente, um número reduzido de substâncias tóxicas (ainda não se tem certeza sobre isso, como veremos abaixo), frases de marketing como essa implicam que eles são alternativas ‘saudáveis’. O que falta é listar todas as doenças que, já se sabe, os cigarros eletrônicos também causam.
Você sabe QUANTAS substâncias tóxicas estão presentes nos cigarros eletrônicos?
Sabe-se que um cigarro tradicional possui mais de 7.000 substâncias em sua fumaça, boa parte delas extremamente tóxica. Mas ainda não se sabe com certeza a quantidade e a periculosidade das substâncias presentes no vapor dos cigarros eletrônicos. Uma pesquisa recente, realizada pela conceituada Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, conseguiu contar mais de 2.000 moléculas diferentes no vapor de cigarros eletrônicos, a maior parte ainda não completamente identificada. Dentre as que foram identificadas, havia um grande número de substâncias potencialmente nocivas à saúde, como cafeína (que pode amplificar o poder viciante da nicotina), 03 produtos químicos nunca encontrados antes em cigarros, um pesticida e dois aromatizantes já correlacionados a efeitos tóxicos e à irritação respiratória.
Ou seja: vaping não é simplesmente inalar vapor d´água. É consumir um aerossol composto por milhares de substâncias, algumas tóxicas, a maior parte ainda não identificada, com efeitos na saúde desconhecidos. E tal consumo traz danos aos pulmões e, possivelmente, a outros órgãos do corpo – estudos científicos publicados nos últimos anos têm demonstrado ligação entre vaping e doenças pulmonares crônicas (como bronquite crônica e enfisema), asma e doenças cardiovasculares. Será que vale a pena arriscar?
Estudo conduzido nos Estados Unidos mostrou que o número de pessoas que acreditam que cigarros eletrônicos são mais nocivos à saúde do que cigarros tradicionais saltou de 6.8% para 28.3% em um período de 02 anos (2018 a 2020). No mesmo período, o número das pessoas que acham que os eletrônicos são menos perigosos que os tradicionais caiu de 17.6% para 11.4%.
Isso sem contar a nicotina, molécula viciante e sempre presente nos cigarros eletrônicos. Alguns estudos apontam que o vício à nicotina tem aumentado entre os jovens, já que é mais fácil ‘dosar’ para cima o uso da substância em cigarros eletrônicos (via cartelas com doses extra de nicotina, ou então aumentando a voltagem do aparelho) do que fumando uma grande quantidade de cigarros tradicionais. Além disso, como vimos, muitas empresas acrescentam cafeína à formulação dos cigarros, mesmo sem explicitamente mencionar tal fato, o que pode contribuir para o aumento da dependência.
A nicotina causa vício, aumenta a pressão sanguínea, gera picos de adrenalina e aumenta a frequência cardíaca. Para quem já se viciou, deixar de utilizá-la causa sintomas de abstinência severos.
A moda do vaping é recente, e infelizmente saberemos apenas dentro de alguns anos os reais efeitos do hábito na saúde da população. Ainda assim, o grande número de casos recentes de internações e mortes claramente associados ao uso de cigarros eletrônicos serve como sinal de alerta.
Em resumo: as evidências mostram que fumar não faz bem ao corpo, seja da maneira que for. Com fumaça ou com vapor. Por vias tradicionais ou ‘eletrônicas’. Com ou sem a presença do tabaco.
Ministério da Saúde lança Plano de combate ao tabagismo
No último dia 13 de maio, foi publicada no Diário Oficial a Portaria GM/MS Nº 502, que cria o PNCT – Programa Nacional de Controle do Tabagismo, uma iniciativa do Ministério da Saúde.
O PNCT integrará a rede de tratamento do tabagismo do SUS, o Programa Saber Saúde, campanhas e ações educativas, além de promover ambientes livres de fumo. Ou seja, mais do que implementar medidas para aprimorar o tratamento de fumantes, o programa reforça ações preventivas – especialmente entre crianças e adolescentes – e de conscientização sobre os perigos do cigarro.
A última Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, mostrou que 12.8% da população utiliza algum derivado de tabaco. Segundo a OMS, mais de 440 pessoas morrem todos os dias no país por causa do fumo.
Para saber mais
- Campanha “Dia Mundial sem Tabaco” da ONU (em inglês):
- Matéria de ‘O Globo’ sobre jovem com ‘pulmões perfurados’ pelo vaping:
- Página especial da American Heart Association sobre vaping (em inglês):
- Artigo da Universidade Johns Hopkins sobre componentes do vapor de cigarros eletrônicos:
- Estudo sobre percepção do público norte-americano sobre cigarros eletrônicos:
- Artigo sobre associação entre cigarros eletrônicos e doenças pulmonares crônicas:
- Artigo sobre associação entre cigarros eletrônicos e asma:
- Artigo sobre a associação entre cigarros eletrônicos e doenças cardiovasculares:
- Portaria do Ministério da Saúde que cria o PNCT