Abra bem as janelas (mesmo no inverno)! Conheça o impacto dos ambientes fechados na saúde - Blog - Hospital Vera Cruz

02/08/2023

Abra bem as janelas (mesmo no inverno)! Conheça o impacto dos ambientes fechados na saúde

Em época de alta nos casos de doenças causadas por vírus respiratórios, entenda como a má circulação de ar favorece a transmissão.

Estamos naquela época do ano em que a maior parte das pessoas ficará alguns dias com o nariz entupido, a garganta doendo e, talvez, com o corpo febril. O inverno é a época mais propensa para se pegar uma doença respiratória. Motivos para isso são vários, como veremos a seguir. Um dos principais – e mais interessantes de se aprender – é a má circulação do ar.

A partir de estudos científicos e análises de casos de contaminação em ambientes fechados, vamos entender a importância de preferir locais bem ventilados mesmo no inverno, especialmente quando estamos em presença de outras pessoas.

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Por que ficamos mais doentes no inverno?

A seguir, alguns dos principais motivos:

 

Tempo mais seco

No Brasil, o inverno costuma ser associado a tempo seco, com baixa umidade do ar. No estado de São Paulo ao longo do mês de julho, por exemplo, a umidade está na casa dos 30% (ou menos). O ideal seria estar em 60% (ou mais).

Há menos umidade no ar. E, como está frio, as pessoas tomam menos água do que em dias quentes. Essa soma de tempo seco e baixa hidratação faz mal às mucosas, especialmente aquelas da região do nariz. Quando bem hidratadas, elas formam uma importante barreira de proteção contra vírus e bactérias. Em tempo seco, elas não funcionam em ‘capacidade máxima’, e as chances de se infectar são maiores. A baixa umidade pode provocar, por exemplo, ressecamento das mucosas nasais, favorecendo o aparecimento de pequenas ‘fissuras’, que abrem caminho para a entrada de microrganismos. Nada bom para a saúde.

Há perigos adicionais nos ares invernais. Muitos dias sem chuva significam acúmulo de poluentes na atmosfera. Associados à baixa umidade, eles causam irritação adicional às mucosas, comprometendo ainda mais seu trabalho de proteção.

 

Falta de movimento

Dias frios são mais gostosos para ficar debaixo da coberta, certo? Isso pode ser verdade, mas é bom lembrar das consequências negativas da falta de exercícios físicos.

No inverno, muitas pessoas evitam sair de casa, especialmente em horários em que a temperatura está abaixo da média. Quem costuma praticar caminhadas pelas manhãs ou durante as noites de verão pensa duas vezes antes de enfrentar o frio de julho. É comum até mesmo as academias sentirem um leve declínio entre seus frequentadores.

A falta de exercícios físicos e o maior sedentarismo, porém, geram diversas consequências ruins à saúde, influenciando desde o funcionamento do sistema imune até a alimentação, os níveis de estresse e as horas de sono. Tudo isso favorece infecções. Quem mantém firme a iniciativa de se mexer, mesmo no inverno, fica menos doente.

 

E o grande vilão da saúde no inverno: o ambiente fechado

Quando está frio lá fora, o que todo mundo faz quando fica em casa? Fecha portas e janelas, impedindo a entrada do ar gelado. A consequência é ter um lar mais quentinho, assim como mais propício à disseminação de doenças.

Entramos em contato constantemente com vírus capazes de causar doenças respiratórias. Normalmente, o sistema imune é capaz de lidar com esses vírus, e nem sempre sentimos os sintomas de doenças enquanto o corpo os combate. No inverno, porém, quando ambientes são mantidos sem circulação de ar e as pessoas costumam ficar mais juntas, a quantidade de vírus no ambiente dispara. As chances de uma pessoa entrar em contato com muitos vírus são maiores, e o sistema imune acaba perdendo as batalhas iniciais – gripe e resfriado se instalam no corpo.

Por isso, apesar do frio, manter ambientes ventilados é uma das melhores ideias durante o outono e inverno. Não é necessário escancarar portas e janelas e deixar todo mundo tremendo: mesmo um ventilador “apontado” para um outro cômodo (melhorando a reciclagem do ar) já ajuda a arejar o local e a ‘espalhar’ os vírus que porventura estiverem no ar.

Se houver ar-condicionado no local, utilizar a função ‘ventilador’ (que traz o ar de fora para dentro, mas sem gelá-lo), em baixa potência, também é uma opção mais saudável do que ficar em ambiente sem ventilação alguma.

Esse conceito de ‘circular o ar’ tem tudo a ver com um tema do qual com certeza você se recorda: o distanciamento social. Durante a pandemia, manter distância de outras pessoas foi uma das únicas maneiras de se proteger enquanto uma vacina não era desenvolvida e distribuída. A lógica aplicada à época é a mesma das doenças respiratórias no inverno – e a pandemia trouxe lições adicionais que nos ajudam a compreender a importância de um ambiente bem ventilado.

 

Uma pessoa elimina constantemente gotículas com vírus

Desde 2020, pesquisas no mundo inteiro mostraram que pessoas contaminadas com a COVID-19 espalham com facilidade o vírus enquanto respiram ou falam. Podemos considerar que o mesmo se aplica para alguém gripado.

O simples ato de exalar pelo nariz ou pela boca lança no ambiente uma grande quantidade de aerossóis, minúsculas gotículas com menos de 100 micrômetros de diâmetro. Por serem tão pequeninas, elas podem ficar suspensas no ar durante várias horas. E, mesmo pequenas assim, cada uma dela pode carregar uma grande quantidade de vírus. Na época da pandemia, pesquisas mostraram que ficar em um ambiente fechado, em um raio de 05 metros de alguém contaminado por COVID, mesmo que por poucos minutos, já causava infecção [1].

Em um ambiente fechado, os aerossóis que eliminamos a cada expiração se comportam quase como a fumaça expelida por fumantes. Imagine um fumante parado, eliminando fumaça. Com o passar do tempo, haverá uma ‘nuvem’ ao redor dele, cada vez mais densa. Com os aerossóis, acontece exatamente a mesma coisa. Essa ‘fumaça’ de aerossóis cria zonas de alta densidade de vírus ao redor da pessoa. Caso alguém penetre nessa zona, há maiores chances de os vírus entrarem em contato com olhos, boca e nariz, favorecendo uma infecção [2].

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Se uma pessoa infectada por vírus respiratórios pode transmiti-los mesmo estando quietinha, apenas respirando, a situação piora se ela começa a interagir. Ao falar (ou espirrar), além dos aerossóis, partículas maiores são eliminadas para o ambiente. Quando essas partículas são maiores que 300 micrômetros (como as gotas de saliva que conseguimos ver a olho nu), elas não mais ficam suspensas no ar, caindo rapidamente para o chão ou ficando em superfícies como roupas, móveis e objetos. Cada uma dessas gotículas pode contar mais de 1.000 aerossóis – ou seja, a quantidade de vírus nelas é altíssima.

Como vimos acima, simplesmente respirar já pode transmitir vírus para outras pessoas. Falar piora a situação. E falar alto ou gritar é ainda mais impactante. Ao conversarmos em volume ‘normal’, eliminamos 10x mais partículas e aerossóis do que quando estamos em silêncio. Falar em voz alta elimina 50x mais partículas carregadas de vírus do que quando estamos quietos.

 

Alguns casos ilustram a importância de ambientes bem ventilados

Pesquisadores da Universidade de Boulder, no Colorado, publicaram uma ferramenta em meados de 2020 [3] que ajuda a estimar o risco de uma pessoa infectada transmitir COVID em ambientes fechados. Essa ferramenta, chamada ‘Estimator’, apesar de trazer meramente estimativas, foi avaliada pela comunidade científica e é uma das mais interessantes demonstrações da importância de se arejar um local e evitar ficar muito próximo a outras pessoas em um ambiente fechado.

A ferramenta mostrou, por exemplo, que pelo menos 30% dos casos de COVID-19 na Espanha eram resultado de transmissões que ocorreram dentro de casa, quando um grupo passa muito tempo em um mesmo ambiente mal ventilado.

De acordo com a ferramenta, se 06 pessoas compartilharem um mesmo ambiente fechado, apenas 01 delas estiver infectada pela COVID e elas ficarem conversando durante 04 horas, sem o uso de máscaras, as outras 05 ficarão também infectadas. As chances disso são de quase 100%. Não importa se elas estavam próximas ou longe daquela 01 pessoa inicialmente doente: por compartilharem o ambiente fechado, elas pegarão o vírus também.

Agora perceba a diferença. O cenário inicial é o mesmo: 01 pessoa infectada compartilha o mesmo ambiente com outras 05. Se todos no grupo estiverem usando máscara, se reunirem por 02 horas e mantiverem o espaço arejado, a chance de infecção se reduz drasticamente. No modelo utilizado no estudo, é possível que nenhuma das outras 05 pessoas pegue COVID nessa situação.

Ao longo dos últimos anos, diversos estudos sobre a transmissão da COVID foram realizados em todo o mundo. Alguns deles estudaram as probabilidades de transmissão a partir de superfícies contaminadas por gotículas de pessoas infectadas – as chances de infecção eram mínimas. Outros avaliaram os riscos de grandes aglomerações em ambientes abertos, como grandes festivais de músicas [4]. Nesses casos, os riscos existiam, mas eram particularmente pequenos entre vacinados. O grande problema, de fato, é passar tempo demais em ambientes com má circulação e em contato com pessoas infectadas.

Um caso real é um exemplo emblemático: em março de 2020, época em que a pandemia ‘ganhava corpo’ em todo o mundo, houve um ensaio de coral na cidade de Mount Vernon, nos Estados Unidos [5]. O grupo do coral tinha 120 membros, mas apenas 61 compareceram nesse ensaio. Desses, descobriu-se depois, 01 estava contaminado com a COVID-19. O grupo ensaiou durante duas horas e meia. Sem máscaras, em um ambiente fechado e cantando (como vimos, eliminando muitos e muitos aerossóis). Quinze dias depois, 53 pessoas do grupo foram diagnosticadas com COVID. Ou seja: 01 pessoa contaminada, que se sentou na primeira fileira durante os ensaios, contaminou outras 53 – algumas delas estavam a 14 metros de distância, e apenas os aerossóis explicam como foram infectadas mesmo de tão longe. Infelizmente, 02 membros vieram a falecer por causa do vírus. Pesquisadores estimaram que, no mesmo cenário, se o ensaio tivesse sido mais curto e o ambiente mais bem ventilado, apenas 02 pessoas teriam sido contaminadas, ao invés de 53.

O que ocorreu em Mount Vernon ainda é muito debatido pela comunidade científica, já que se trata de um estudo de caso notável sobre a importância do distanciamento social e de se evitar ambientes fechados. Vale notar que, recentemente, alguns pesquisadores argumentaram que é improvável que apenas 01 pessoa tenha sido a ‘fonte’ de contaminação de todo o grupo de coral [6]. Ainda assim, a sugestão de se evitar espaços com má circulação de ar se mantém.

A pandemia trouxe inúmeras lições de vida para todos nós, especialmente quando o assunto é saúde. Começamos a prestar mais atenção à higiene das mãos. Ficamos mais alertas aos sinais do corpo. Passamos a evitar aglomerações. E, nesse inverno, seria bom lembrar não só de tudo isso, como também dos aerossóis, das gotículas de saliva e dos ambientes fechados se quisermos passar esses meses mais frios do ano bem longe da farmácia.

 

Para saber mais

  1. https://www.ecdc.europa.eu/en/infectious-disease-topics/z-disease-list/covid-19/factsheet-covid-19
  2. https://science.sciencemag.org/content/370/6514/303.2
  3. https://cires.colorado.edu/news/covid-19-airborne-transmission-tool-available
  4. Clara Suñer, Ermengol Coma, Dan Ouchi, Eduardo Hermosilla, Bàrbara Baro, Miquel Àngel Rodríguez-Arias, Jordi Puig, Bonaventura Clotet, Manuel Medina, Oriol Mitjà. Association between two mass-gathering outdoor events and incidence of SARS-CoV-2 infections during the fifth wave of COVID-19 in north-east Spain: A population-based control-matched analysis. The Lancet Regional Health – Europe. Volume 15, 2022, 100337. ISSN 2666-7762. https://doi.org/10.1016/j.lanepe.2022.100337.
  5. Hamner L, Dubbel P, Capron I, et al. High SARS-CoV-2 Attack Rate Following Exposure at a Choir Practice — Skagit County, Washington, March 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020;69:606–610. DOI: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6919e6external icon.
  6. C.J. Axon, R. Dingwall, S. Evans, J.A. Cassell. The Skagit County choir COVID-19 outbreak – have we got it wrong?, Public Health, Volume 214, 2023, Pages 85-90, ISSN 0033-3506, https://doi.org/10.1016/j.puhe.2022.11.007.
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