Herpes zóster: uma doença escondida na maioria de nós - Blog - Hospital Vera Cruz

22/12/2022

Herpes zóster: uma doença escondida na maioria de nós

Se você teve catapora, suas chances de desenvolver herpes zoster aumentam conforme envelhece. Conheça o vírus por trás de ambas as doenças e o que fazer para se proteger.

 

Existe um vírus bastante traiçoeiro que reside na maioria de nós. Ele primeiro nos deixa doentes, depois perde a batalha para o sistema imune, mas não desiste: fica quietinho, dormente, durante várias décadas, apenas aguardando o sistema de defesa do corpo se enfraquecer um pouquinho para então voltar a atacá-lo.

O nome desse vírus é varicela-zoster.

Hospital Vera Cruz - Capa Herpes Zoster

Na primeira vez em que ele ataca o corpo, causa a catapora. A partir da segunda, a herpes zóster, uma doença bem mais perigosa e desagradável, o tema de nossa conversa de hoje.

Trazemos boas e más notícias com relação à herpes zóster. A má notícia é que os casos da doença têm aumentado consideravelmente nos últimos anos, por motivos que veremos a seguir. Todavia, a boa notícia é essa situação deve se reverter em breve. Hoje, dispomos de diversas armas e estratégias para combater esse vírus – e contamos, inclusive, com o auxílio de uma dupla de vacinas extremamente eficientes.

 

Explosão no número de casos

Se você acompanha a mídia das celebridades, talvez tenha se deparado com o nome ‘herpes zóster’ várias vezes lá pela metade deste ano. Isso porque o cantor Justin Bieber divulgou que estava com a doença. Na verdade, ele contou que estava com a Síndrome de Ramsay Hunt – que nada mais é que uma das formas mais desagradáveis desse ‘segundo ataque’ do varicela-zóster. O cantor canadense ficou com o rosto parcialmente imobilizado e teve de cancelar diversos shows.

Agora, se você acompanha as notícias sobre saúde aqui no Brasil e no mundo, certamente já leu alguma matéria falando sobre o aumento no número de casos de herpes zóster nos últimos anos. Ou talvez esteja acompanhando as campanhas atuais de vacinação. Elas vêm em bom tempo: durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, o número de casos de herpes zóster no país aumentou mais de 50% [1] – algumas regiões, como a Centro-Sul, registraram uma explosão de casos, com aumentos de mais de 70% no número de ocorrências.

 

Herpes zoster e COVID

Isso tudo pode ter a ver com a pandemia. Pode ter a ver com o vírus da COVID, tão ‘poderoso’ que deixa o sistema imune focado nele e permite o surgimento de infecções secundárias. Pode ter a ver com as mudanças comportamentais decorrentes dos lockdowns e confinamentos, com o stress que a pandemia causou. Certamente, tem tudo a ver com uma baixa na imunidade das pessoas, que é o gatilho para o vírus varicela-zóster voltar a atacar.

 

“Isso é bem sério, como podem ver. Eu queria que não fosse o caso, mas obviamente meu corpo está dizendo que eu preciso pegar leve”, disse no vídeo. “Espero que vocês entendam, e vou usar esse tempo para apenas descansar, relaxar e voltar 100%.” – Justin Bieber

 

A maioria das pessoas ‘pega’ o vírus varicela-zóster quando criança

Se você teve catapora, então não apenas entrou em contato com esse vírus, como também carrega ‘resquícios’ dele em seu corpo.

Blog Hospital Vera Cruz - Interno - Catapora e Herpes Zoster

Estima-se que quase 100% das pessoas nascidas antes de 1980 tiveram catapora quando criança [2]. Isso significa que, naquela época, o vírus entrou no corpo e causou a doença; depois, foi atacado pelo sistema imune, que produziu uma grande quantidade de anticorpos para combater a infecção. A catapora, assim, foi controlada, porém alguns vírus que não foram destruídos neste embate ‘se esconderam’ no corpo, em locais chamados gânglios nervosos, que se localizam ao longo de nervos e ficam próximos à coluna cervical, na altura do tórax ou na região sacral. Esses locais têm tudo a ver com a maneira como a herpes zoster (a doença secundária) se apresenta.

Ali nos gânglios nervosos, os vírus remanescentes ‘descansam’, livres da ação dos anticorpos. Incapazes de provocar ‘estragos’ no corpo ou doenças – apenas aguardando a quantidade de anticorpos baixar para eles voltarem a atacar.

 

PARA DECORAR: CORRELACIONANDO DOENÇAS E VÍRUS

Para facilitar a leitura, lembre-se de que o vírus chamado varicela-zóster causa 02 doenças importantes e correlacionadas: a catapora e a herpes zóster.

Quando uma pessoa fica doente por causa desse vírus pela 1ª vez, tem catapora. Na segunda infecção, tem a herpes zóster. Quem não teve catapora não terá herpes zoster direto – caso a pessoa seja infectada pelo vírus, desenvolverá primeiro a catapora.

‘Varicela’, aliás, é outro nome dado à catapora. O que faz sentido, já que é uma doença causada pelo vírus com o mesmo nome.

 

Portanto, quem teve catapora tem chances de ter herpes zoster no futuro – alguns médicos estimam a probabilidade em cerca de 30%. Nos Estados Unidos, estatísticas oficiais do governo apontam que 01 em cada 03 adultos terá a herpes zoster [2] ao longo da vida.

As chances de herpes zoster surgir aumentam conforme a pessoa envelhece, já que o sistema imune também perde parte do vigor da juventude, abrindo brechas para o vírus atacar por uma segunda vez. Ou então, como vimos, caso haja uma baixa na imunidade, seja por doenças secundárias, seja por efeitos psicológicos, de estilo de vida ou por medicamentos, até mesmo jovens como Bieber (28 anos) podem ser acometidos pela doença.

Estima-se que 1 em cada 3 idosos a partir dos 75 anos apresentará a herpes zoster em algum momento da velhice [2].

 

O que é e quais são os sintomas da herpes zóster?

Portanto, herpes zoster é uma doença causada pelo mesmo vírus da catapora e que aparece quando ele ‘acorda’ da dormência em que se encontra em nossos gânglios nervosos.

Lembra que mencionamos que os gânglios nervosos se localizam próximos aos nervos? Quando o vírus é reativado, ele começa a se deslocar ao longo desses nervos, partindo dos gânglios e indo até as terminações nervosas. Esse ‘passeio’ causa danos aos nervos, sentidos pela pessoa como dor.

Ao chegar à pele, o vírus gera coceira e vermelhidão, sensações de ‘pinicar’ ou de formigamento. Começam a aparecer pequenas vesículas (‘bolhas’) pela pele, parecidas com as da catapora. Elas podem doer bastante e persistem por mais ou menos uma semana (ao longo dos dias, as férias secam, formando uma casquinha, também similar ao que ocorre na catapora). É o tempo do sistema imune voltar a trabalhar e fazer com que o varicela-zóster retorne de onde veio – e se mantenha dormente nos gânglios por mais alguns bons anos. Todo o ciclo da doença costuma levar cerca de 04 semanas.

É comum que as feridas da herpes zoster apareçam apenas de um lado do corpo, em desenhos ‘serpenteantes’. Eles representam nada mais, nada menos que o ‘caminho’ do vírus ao longo dos nervos. Quem procurar por fotos da doença na internet encontrará fotos dos casos mais extremos, quadros não muito bonitos, porém representativos do estrago que o vírus pode causar durante seu passeio pelo corpo.

 

Potenciais complicações da herpes zoster

Nervos são estruturas delicadas. A trajetória do varicela-zóster por eles pode causar danos permanentes, criando hipersensibilidade nas regiões da pele afetadas, de forma constante, dolorida, e que pode ser bastante difícil de curar. Essas dores prolongadas são chamadas de neuralgia pós-herpética e acometem de 10 a 15% das pessoas que tiveram a doença, um número bastante significativo.

Blog Hospital Vera Cruz - Interno - Herpes Zoster e danos aos nervos

O vírus é capaz de causar outras complicações. No caso do Bieber, ele estava alojado nos gânglios próximos ao pescoço. Quando ‘acordou’, o varicela-zóster se moveu ao longo dos nervos da região da face, provocando a paralisia que assustou milhões de fãs pelo mundo afora. Essa é a tal ‘Síndrome de Ramsey Hunt’ que mencionamos acima. Ela pode causar sequelas permanentes, seja na língua, nos olhos ou na mastigação, já que o vírus pode gerar danos severos aos nervos. Felizmente, no caso do cantor, parece que os problemas maiores foram controlados com sucesso.

 

Como ajudar o corpo a combater esse vírus tão escorregadio?

A herpes zoster não é uma doença contagiosa. Em tese, você não pega herpes zoster de ninguém – afinal, ela é uma manifestação de baixa imunidade do seu corpo. A catapora você pega de outras pessoas, via gotículas contaminadas. Herpes zoster vem de dentro. Ainda assim, há grande presença do vírus nas bolhas da herpes zoster, então é importante não entrar em contato direto com elas.

A solução para manter o vírus sob controle é estar com o sistema imune funcionando, sempre, com máxima intensidade, pleno de energia. Dormir bem, se alimentar bem e se exercitar formam a base de um corpo saudável (muita gente acha que a rotina acelerada de shows-treinos-festas-gravações de Bieber causou tamanho desgaste no corpo que o sistema imune deu uma trégua). Mas é importante saber que já contamos com uma ajudinha extra nesse combate: vacinas.

Em crianças de 15 meses, aplica-se a vacina da catapora, que protege o corpo contra o vírus varicela-zoster. Essa vacina faz parte do Calendário Nacional de Vacinação e está disponível no SUS desde 2013.

Antigamente, as crianças brasileiras eram imunizadas com a vacina tríplice viral, que protegia contra sarampo, caxumba e rubéola. Desde 2013, a vacina é a tetra viral, já que a proteção contra a catapora foi incluída.

A maioria dos adultos de hoje, porém, não foi vacinada contra a catapora quando criança. Por isso, só possuem anticorpos produzidos na tenra idade, resultado do combate à catapora, em quantidade que diminui consideravelmente ao longo dos anos. Assim, para essa faixa etária, novas vacinas foram criadas – uma das quais, chamada Shingrix, foi aprovada no país no ano passado e já está disponível para compra. A anterior, lançada por aqui em 2017, chama-se Zostavax.

Ambas as vacinas possuem alta eficácia e são indicadas para pessoas com mais de 50 anos, especialmente aquelas que já tiveram catapora e herpes zoster (agora você sabe o motivo disso). A Shingrix, por sua composição, é segura também para imunossuprimidos.

No momento, as vacinas contra varicela-zóster ‘para adultos’ são encontradas apenas na rede privada. O preço é salgado: a Zostavax, em dose única, custa em torno de R$550. Já a Shingrix, dada em dose dupla, com dois meses entre as aplicações, custa mais de R$800 a dose. Mas o investimento vale a pena: estudos mostraram que, para a Shingrix, a eficácia na proteção contra a herpes zoster chegou a 90% em pessoas a partir dos 50 anos, e a incríveis 97% na faixa de 50 a 69 anos. A Zostavax possui proteção de cerca de 70% contra a herpes zoster.

Espera-se que, em breve, ao menos uma das novas vacinas esteja disponível também pelo SUS. Afinal, seus benefícios são inegáveis, assim como são inegáveis os estragos que o varicela-zoster pode causar quando ‘acorda’ de seu período de dormência em nossos gânglios.

Talvez conviver com o vírus assim, sorrateiramente escondido dentro do corpo e potencialmente perigoso, cause um pouco de desconforto. Por outro lado, é um motivo a mais para manter a saúde sempre sob atenção e cuidado, fortalecendo o organismo para que ele possa funcionar a todo vapor, mesmo na velhice. Afinal, quanto mais aprendemos sobre saúde, mais claro fica que o sistema imune é uma das armas mais essenciais de que dispomos para a nossa sobrevivência.

 

  1. https://saude.mg.gov.br/cidadao/duvidas-frequentes-dos-usuarios-sus/story/14667-aumento-de-herpes-zoster-durante-pandemia-e-estudado-por-pesquisadores?layout=print
  2. https://www.cdc.gov/shingles/about/index.html
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